No país dos carros negros (I)


Neste triste país, de tantas 'modas', hábitos inquestionados, 'memes' (replicadores culturais, tais como os definiu e criou o termo, Richard Dawkins), há de tempos em tempos um ligeiro, muito suave e pouco tempestivo, despertar das mentes...

Saramago publicou um novo livro: Caim. Em com 'Caim', ou através dele, Saramago pretende defender a ideia, inteligente e louvável, aliás, mesmo que se discorde, da perversidade da igreja católica, do cristianismo até- mesmo que, sendo ele um laureado com o Nobel, só os católicos, tenham acusado o 'toque', estranhamente...da inutilidade da religião, ou religiões, e, mesmo, da inexistência de deus.

Começo por dizer que partilho inteiramente da ideia da inexistência de deus e da inútil perversidade, maldade até, das religiões, sejam elas quais forem. Por tão só serem uma criação humana, de vantagens duvidosas, excepto talvez alguma, ou muita, bondade e humanismo de que se revestem muitos praticantes de religiões- mas outros, de maldade e violência, em lugar de atitudes ou comportamentos positivos. Essa circunstância, aliás, é vantagem das religiões e a desvantagem, na mesma proporção de pessoas como Saramago que toda a sua vida defenderam ideiais tipo-religião, como o comunismo, ou socialismos desumanos e arcaicos, e tão ou mais violentos que as religiões, também elas com uma longa história de crimes e desumanindades.

Para mim, quando se defendem ideias controversas, polémicas ou profundamente irreverentes, afrontando tudo o que em centenas ou milhares de anos se tomou como certo, seguro e fiável, e que, como neste tema da religião e da fé, toca bem fundo nas convicções respeitáveis- tanto quanto as de quem não tem essa fé e não se 'prende' a ideais teológicos- deve ter uma cabeça impoluta, livre e sem amarras, ou perde a credibilidade ou fica ferido na asa, de raíz.

É lamentável, mas Saramago nunca terá a plateia que pode ter pretendido. Terá boas vendas, mas não mais.

E a ideia era merecedora.

É assim. Somos assim, neste triste país massacrado por teixeiras dos santos, salazares e outros sócrates, onde a estúpida mania dos carros pretos, ou negros, ou cinzentos, dá de nós esta imagem de 'carneiros' ileterados e comandados por 'memes' automatizados e recebidos por herança cultural involuntária.

Ah! E que tal a mania de afastarmos a mesa do café que estava encostada a outra e pedirmos permissão aos clientes da mesa ao lado...'importa-se que nos sentemos?'...para assim termos uma 'espécie de privacidade', em plena pastelaria? Ou construirmos muros altos nas vivendas para que o vizinho não nos veja a comer no jardim, onde só comemos duas vezes no primeiro ano da construção da casa, mas irmos comer a restaurantes, aos olhos de todos, obviamente sem qualquer problema?

Ah, meu país 'dos carros negros'!

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