No país dos carros negros (II)


Entra no café pelas nove da manhã, ali junto à estação da linha do comboio, em Oeiras e pergunta: Posso ir à casa de banho? O empregado, um pouco surpreendido, sentindo-se algo como um professor em sala de aula, responde: sim, é ali à esquerda. A senhora, com evidências de noite mal dormida, arrasta os pés, indolente e preguiçosa, de uma noite de mais tristezas e misérias, que nem a deixam pensar que o direito a frequentar uma casa de banho de um café, é um direito público, que não pode ser bloqueado, para além dos normais 'direitos de admissão' a um espaço que, sendo publico, pertence a uma empresa privada: um café.

Ser de direita e ser de esquerda: continua-se a fazer a divisão da sociedade, em momentos particulares, felizmente, entre os que são, ou serão, de esquerda, 'os bons, amigos dos outros, dos mais carenciados', e os de direita, os egoístas, que vêm o mundo e a vida pelos olhos do 'vil metal' e da nota de Euro/Dólar. Visão minimalista e redutora, para além de total e completamente anacrónica. A dita 'esquerda' pratica cada vez mais políticas tradicionalmente tidas como de 'direita' e a direita, nem por isso as pratica como se fosse 'esquerda'. Como se as ideias da Revolução Francesa (de 1789!!!) ainda hoje fossem actuais e fizessem algum sentido, como se estar de um lado, político, aliás renegado pela generalidade das pessoas, como sendo a política uma 'parte suja' da vida e da sociedade, fosse bom e estar do outro fosse mau.

Não sendo bastante esta redução das pessoas a 'clubes' ou 'sectores' sociais, aliás inexistentes, por quanto a única participação activa e permanente das pessoas na vida política se resume à vida autárquica e, como tal, personalizada na individualidade que tem o pode autárquico na sua zona de residência e/ou de trabalho, ainda se tenta, tantas vezes, passar a ideia de que quem não tinha vida adulta por alturas do 25 de Abril de 1974, ou não esteve na Guerra de África (aliás, áfricas...) não pode, responsavelmente, saber de política ou pretender ter ideias ou, menos ainda, responsabilidades políticas. Mário Soares em muitas ocasiões quis passar esta ideia, estúpida e profundamente ignorante, a qual conduz, em ultima análise a que o deu filho, João Soares, não pode 'saber do que fala', e muito, muito menos, o seus netos. Não há pessoas de direita e pessoas de esquerda! Simplesmente!



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