O(s) Medo(s)


O medo, ou medos, de hoje e de ontem nem sempre são os mesmos. Ontem, havia medos de tanta coisa desconhecida, hoje há medos de coisas conhecidas.

Ontem, o medo era também alimentado, usado, como arma. Na politica, na religião, na sociedade, nas relações humanas. Na politica, usando do desconhecimento, manipulação, criações mais ou menos fantasiosas da realidade, usando da falta de informação e, claro, da iliteracia ou escassez de cultura. Ainda hoje se usa e abusa deste poder, pela negativa, na politica, e diariamente. Mas é cada vez mais difícil e chegará o dia, em que tal será virtualmente ineficaz.

Na religião, o medo foi sempre uma arma poderosa. Essa força, usada pelas grandes e pelas pequenas organizações religiosas ou espirituais, ainda hoje, inexplicavelmente (ou mais explicável do que parece, pois esse medo é um reduto e um refúgio das pessoas, principalmente em épocas de crise social ou económica). Mas é tão evidente que esta poderosa ferramenta de submissão e manipulação ainda se use, que nem se percebe como pode ainda, em dias de tanta crítica, tanta dúvida existencial, tanta incerteza quanto a princípios e quanto a ideias e ideais, a pensamentos e a segurança no que se formula com a nossa própria mente, quanto mais com as dos outros que nos são próximos ou conhecidos, que só podia levantar mais indecisão, inércia, e conduzir a uma rejeição de tudo o que nos foi impingido, e infligido, durante centenas de anos. Mas não...o reduto do medo pelo divino mantém-se...porque, na dúvida, melhor é estar de boas relações com esse divino que sempre nos foi dito ser bom e magnânimo, mas que está sempre atento para nos ‘castigar’. Esta ideia do castigo é, aliás, merecedora de um texto futuro...em várias e provocantes vertentes...

Desta força do medo, um blogue (http://ateologiaportuguesa.blogspot.com/) que me deram recentemente a conhecer, versa e explana bem, à sua maneira, o espírito ainda vigente.

Na sociedade, o medo também tem tido e mantém algum papel. Nas relações de trabalho, onde se usa de um poder hoje acrescido, onde um patrão, que não líder reconhecido e aceite como tal, para alem de chefe e até proprietário de uma sociedade, usa desse imenso efeito coercivo e convincente à exaustão, em vez de usar de princípios pela positiva, a motivação, a aposta no valor dos seus colaboradores e na sua formação, a aposta no valor intrínseco de cada um, contrariando a célebre ‘máxima’ de ninguém ser insubstituível (excepto o patrão, o pai ou a mãe, o amor que se sente traído...tudo, todos, serão substituíveis, segundo muito boa gente, princípio que nunca fez parte do meu léxico mental, e que rejeito com a minha ‘máxima pessoal preferida’ de que ninguém, em nada, é mesmo substituível!). Na sociedade onde forças policiais ainda usam e abusam de um poder que negam ter: o de provocar, agredir e ainda conseguir a condenação judicial contra inocentes. Como bem recentemente aconteceu em Oeiras, num caso meu conhecido, com um grupo de policias a provocarem um grupo de jovens à porta da casa de um deles e depois, pela resposta irreverente, mas não insultuosa...acabaram dois deles na esquadra, agredidos pelos agentes policiais, passaram a noite na cela da esquadra, aliás sem condições, sem cama, comida num prato no chão, pulgas e outros quejandos, e a consequente condenação em tribunal (que nestes casos funciona célere!). O medo das perturbações e agitações sociais, hoje, perante uma calamitosa situação de decrepitude e decadência sem remissão, da nossa politica e da nossa economia e, bem assim, do nosso futuro, bem justificada...mas o medo ainda fala mais alto!

O medo nas relações interpessoais. Medo de exprimir em palavras claras e sonantes, o que se pensa e se sente. Medo de até se conhecer alguém. Medo de se assumir um novo rumo nas relações. Medo de se reconhecer um erro e, corajosa e inteligentemente, dar-se a volta, tomar-se o sentido anterior, voltar atrás. O medo e o orgulho em constante confronto! O medo de, tendo uma vez sofrido, com uma amizade, talvez, mas com um anterior amor, mais certamente, voltar a assumir relações e ir em frente, contra todo e qualquer medo. Sempre na senda de uma luta que nunca na vida devemos deixar que nos abandone.

É assim que se nos aborrecemos com alguém, o medo e o orgulho não nos deixam, com facilidade ao menos, e com muita inteligência e segurança do que somos, para nós e para os outros, reconhecer talvez a ofensa, mas relevá-la, deixá-la num plano de insignificante, e abrirmos de novo os braços...a um filho que nos magoou, a um pai ou mãe que nos marginalizou ou desvalorizou, a um homem ou mulher que serão as pessoas ‘certas’ e por razões menores, de medo, por exemplo, não permitimos a nós mesmos vermos. Olharmos o horizonte ao longe, lá onde se encontra um futuro, que sempre quisemos ...e às vezes, na cegueira do nosso dia a dia, não víamos...e dizermos a nós mesmos que os nossos medos, receios, inseguranças e incertezas (formas distintas que o medo assume...) não nos podem deixar de novo...ao abandono da nosso orgulho e solidão (que também muitas vezes não sabemos hoje ver, que nos chega já ...amanhã).

Os medos são o nosso mais temível inimigo intelectual, emocional e psicológico no geral. São também os nossos protectores e mecanismos de defesa. Mas há que lhes impor limites, ou dominam-nos, seja em que vertente, das acima expostas for...

Muito mais havia a dizer sobre este tema, que me surgiu a propósito de tanta coisa: da actual situação politica e económica, da passividade e aceitação tácita de uma religião adversa e atroz (para as nossa mente e intelectualidade), da insegurança que observo e da triste aceitação de uma vida mais pobre, emocionalmente, em tanta gente de que vou tomando a noção...

Sempre lutei contra o medo, mesmo reconhecendo a importância da sua função, contra muitos tipos de medo e sempre fui ganhando em confiança, segurança, maturidade, sentido e noção do que quero. Nunca permiti que uma decisão ou desistência de decisão fosse pelo medo. Nem sempre temos essa força quando queremos, mas sempre teremos de ter em nós, a vontade do esforço...para lutar contra o nosso mais temível inimigo mental e intelectual. 

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