Desfiando novelos

Temos uma natural tendência para procurar razões, motivos, causas e origens para muita coisa. Queremos, histórica e hereditariamente saber porquês de quase tudo. Excepto o clube de futebol de eleição. Neste caso, normalmente, nunca nos questionamos.

Nos acontecimentos destes últimos anos e meses, há quem se ponha a discutir as razões que assistem a uns e a outros, para justificar um dos lados do actual conflito entre Israel e a Palestina do Hamas. Como membros de uma cultura ocidental, de matriz cristã e europeia, pode haver um inconsciente colectivo que nos impele para condenar palestinianos, e justificar Israel. Ou, pela saturação a que nos conduz esta permanente incompreensão, sobre como um Estado que tem um enorme potencial bélico (a que foi conduzido e condicionado, pela defesa dos seus, perante a constante ameaça a que está exposto), e a sua também raiz cultural ocidental, tendemos a condenar Israel.

É algo que se insere na nossa tendência de justificar o quase, ou totalmente, injustificável. Neste conflito, temos dois povos que todos os motivos têm para uma saudável convivência, onde muitos elementos dos mesmos a praticam, casando-se entre eles, desafiando fronteiras, numa miscigenação improvável.

Mas o meu ponto é o mesmo que me surge quando se menciona a “razão”, numa simples e até pacífica discussão. Momentos em que orgulhos e barreiras, defesas pessoais e dificuldades intelectuais, nos conduzem à recolha ao nosso reduto protector pessoal. Ter razão é um reduto que pode a nada nos levar. Prefiro muitas vezes não a ter, mas conseguir ir até o meu objectivo me determinar. Atingir um objectivo, deixando cair o “ter razão”. Numa outra escala, que exemplifiquei com o conflito na Palestina, ou que posso também lembrar com as nossas políticas, aliás politiquices, nacionais, desde a origem verdadeira da crise profunda em que estamos, a outros acontecimentos mais ou menos recentes, como o caso BPN e BES, ter razão, ou apenas querer procurar as causas, origem, não têm sempre de ser o nosso móbil, se a dado momento, e não apenas por isso, essa demanda nos deixa num impasse.

Procurar saber o objectivo a que nos propomos, que seja imbuído de toda a sensatez, e muita humanidade, de altruísmo até, de razoabilidade na decisão, e que leve a um patamar de felicidade e tranquilidade, a nível pessoal, quando o for, ou a uma paz e prosperidade, quando a nível social se tratar, seguido de uma forte determinação, convicta, no sentido do atingimento do mesmo, parece-me bem mais saudável, sensato, inteligente mesmo. Ainda que sem se ter razão (certo ou não, muitas vezes prefiro não ter razão e perseguir um objectivo que identifiquei me interessar e me treze vantagem. Tento, quando possível, apenas, não prejudicar demasiado alguém), ou por outro caminho intelectual, ainda que sem exaustivamente se procure o motivo, ou a origem das coisas.

Obter uma solução, e perseguir o seu sucesso. Mas nunca uma decisão má. Em tempos, tivemos um Primeiro ministro de muito má memória, que repetia ser melhor ter-se uma má decisão, que decisão alguma (ele dizia “nenhuma”, pois nem português sabia…não sabendo o resultado de uma dupla negação). Por esses dias, surgia-me uma urticária emocional com tal pensamento. Uma decisão só “pode”, ou só “tem” de ser boa. Não pode haver uma má decisão. E não digo com isto que não existam imensas, demasiadas vezes.

Não há, em geral, forma de se saber se a decisão é boa, ou não. Mas algumas vezes há. Identificamos elementos que a tornam convictamente segura e boa. A nossa convicção, reforçada pela experiência pessoal, ou colectiva também,  a observação, emocional e racionalmente fundamentada, e uma  boa reflexão, fundada em sincero bom senso, acrescida de uma capacidade de pensarmos "de novo", de forma "inovadora", out of the box, como me parece ser a lacuna nos casos que mais mediatizados conhecemos. O conflito entre Israel e o Hamas, os "casos" nacionais, as crises económicas e a tão exausta, esgotada, crise de definição de princípios para a nossa Educação, tal como para a Segurança Social, a Saúde, a Cultura e o Desígnio nacional no seu todo. Continuo a pensar e a constatar que temos sempre regressado aos mesmos pressupostos, tomando decisões com o mesmo valor, ou que ao mesmo resultado conduzem. Na Educação, o pressuposto profissional, e as (mal) identificadas tendências das economias, portuguesa e internacionais, tomando como certas as premissas de uma necessária aposta em tecnologia, em áreas científicas e tecnológicas. Só para se perceber, há "mercados" com valor próximo ou superior aos diversos mercados tecnológicos, um deles a pornografia que, no entanto, não devem ser uma aposta nacional. Até o "mercado" religioso e, um em que alguns portugueses duma suposta e muito referenciada elite, financeira têm apostado: o mercado maior do mundo, o das dívidas soberanas dos países. Do qual somos uma das maiores vítimas, tendo-nos colocado muito a jeito, com toda a teia de interesses, falta de transparência, ignorância colectiva, e cumplicidade política que permitimos. Mas a Educação, regressando ao meu ponto, deve apostar na nova tendência, em clara ascensão, a que nos chega como sendo Era Conceptual, onde as artes, a criatividade, uma nova cultura económica, com fundada ou apoiada por conceitos artísticos, inovadores, trazem para primeiro plano áreas profissionais antes neglicenciadas: design, pintura, música, artes performativas, arquitectura (com novas tendências, abrangendo conceitos de sustentabilidade, integração ambiental, casas inteligentes e energicamente sustentadas, hoje ainda nicho de mercado, ou para elites com grande capacidade económica). Mas outras áreas ganharão interesse e visibilidade: a da Língua, escrita, hoje martirizada e ofendida com um Acordo Ortográfico tão desnecessário como estúpido, feito por apressados ignorantes, com o concreto objectivo de servir um certo interesse económico.

São estes interesses económicos concretos e o desvario, ou desnorte, que nos tem conduzido a esta perda de identidade, a esta vida social nacional sem rumo, mas muito bem aproveitada por gente sem nível, e com intenções criminosas, como os gestores de um BPN, BES ou BPP, e muitos políticos em conluio

Muita responsabilidade nos assiste, a cada um de nós. Num processo que começa em maus pressupostos, segue por identificação e apego a causas das coisas (vide Esteves Cardoso, in a "A Causa das Coisas") que a nada interessam e muito nos prejudicam, e terminam em más decisões. Como a de nada fazermos, cada um e todos como sociedade.

Causas, razões, motivos…e decisões. Na política, na economia, e nas nossas vidas pessoais, estão a todo momento presentes ocupando-nos muito cérebro activo. Muito tempo, muita energia e confundindo-nos ao longo de dias e semanas. Mas tantas vezes as respostas estão bem à nossa frente, não as vendo, ou não querendo ver. Seja porque a procura das razões o não permite, seja porque o nosso esforço é sabotado pela nossa própria mente, e por não querermos dar oportunidade a pensamentos, e soluções eventuais, alternativos. Por uma recusa interior nessa por alternativas, ou por as não pesarmos por igual.

Observo na política esta doentia tendência, mania mesmo, pela dicotomia direita-esquerda, tanto como a da defesa de um “clubinho” que há muito não é um Partido, ou menos ainda uma ideologia. As ideias e ideologias seriam o nosso alicerce fundamental, se por um lado existissem, se por outro, fossem coerentes e vivessem uma sensatez que não se lhes consegue reconhecer. Ficam as defesas de clubinhos e  interesses muito mais pessoais que colectivos. Fica a politiquice saloia.

Na generalidade, quase todos os acontecimentos recentes, nacionais e internacionais se tornaram incompreensíveis, e talvez nem tivessem de ser compreendidos, mas por vezes, apenas, a procura de solução devesse ser a única motivação.

Por estranho que pareça, também as nossas decisões colectivas padecem deste condicionado estado mental. E cada um de nós afecta a sociedade no seu todo, e a condiciona.

Quando uma sociedade não consegue compreender (há uma forma de compreensão social?) que o tempo se lhe escapa para tomar uma atitude contra os assassinos do seu futuro. Quando agentes económicos pervertidos por uma lógica criminosa, não entendem o evidente significado das más decisões.

Há novelos bem impossíveis de desfiar. Mas outros há que não o precisam de ser. A causa que cada lado alega num conflito bélico, pode nem ser o mais importante, excepto se ele é perpetuado, pelo interesse em si mesmo na sua continuidade, claro. Mas se se procura uma solução através dele, mesmo com o pensamento de ser inevitável, talvez nos deixemos enganar, e não nos permitamos encontrar outras soluções.

Há, para mim, novelos e enredos mentais que se devem deixar como estão. E não é fácil. Mas necessariamente possível.

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