Mudamos ou não?

Uma ideia recorrente que tenho vindo a ouvir, desde há muito, um pouco por todo o lado, é a de que ninguém muda. Querem, no geral dizer, "muda", ninguém muda para melhor. Se questionada a pessoa, sobre a eventual mudança para pior, confirma que se muda, só se muda para pior.

Sempre achei isto uma ideia fechada, exclusiva, fragmentária. Uma ideia segregacionista. Só se muda para pior. E, pergunto-me eu, se assim for, por hipótese, então o mundo só pode piorar, sempre. E a vida. A nossa, e a de todos, porque, afinal todos mudamos (para pior, hipoteticamente). Se se muda apenas para pior, a mudança nunca devia acontecer, não é necessária, não nos faz falta e até se deve rejeitar. 

No entanto, gostaria de relatar experiências pessoais. Em 1993 sofri um grave acidente automóvel, o meu carro tendo sido abalroado e catapultado para embater num poste de eléctrico, evitando o muro à minha frente. Não faço ideia, mas entre o embate no meu carro e o dele no poste, devem ter passado uns míseros milésimos de segundo, até porque a distância seria de uns vinte ou trinta metros no máximo. Nesse lapso de tempo, vi grande parte da vida a percorrer-me perante os olhos. Pensei na minha filha e minha mulher, e que iriam ficar sem mim. Foram pensamentos em catadupa, num exíguo espaço temporal. Mais tarde, li alguns relatos idênticos, e um amigo meu, contou-me um dia destes algo muito semelhante. O nosso cérebro parece criar uma defesa, uma seguro de vida instantâneo, que deve levar a recorrer a qualquer coisa que nos agarre à vida. 

Mas é sobre o processo consequente que me quero debruçar. Um processo de mudança que traz consigo uma força decisiva. A forma como nos agarramos à vida, após uma experiência destas, ainda que efémera, ainda que outras hajam que possam ter mais impacte, elabora uma mudança irreversível em nós. E é boa e é menos boa. Faz-nos, acho que me fez, ter outro sentido de necessidade, de urgência e do que nos é de primordial importância. Mas também nos dá um sentido de urgência, que pode ser bem prejudicial, porque os nossos tempos se desajustam ou não se conseguem ajustar, com maior frequência do que a desejada.

Mas não apenas os acontecimentos de violento e inesperado impacte, ou impacto, nos marcam, ou nos impulsionam para uma mudança. Experiências mais graduais e escalonadas no tempo, negativas ou não, podem operar mudanças. 

O meu ponto é que mudamos muitas vezes para melhor! Eu senti essa mudança em mim, trazida por acontecimentos e experiências nem sempre positivas. Não depende de nós, depende até muito pouco de nós. Pessoas e momentos fazem de nós pessoas distintas do que éramos. Piores, sim. E melhores também. Sinto aliás uma agradecimento silencioso a tais pessoas e momentos. Por vezes reconheci, agradeci, pour vezes, não o pude fazer, porque a mudança não era patente, ou porque o operador da mesma não se apresentava no momento.

Gosto de reflectir sobre alguns destes mitos, ou algumas vezes, provérbios, que são com frequência tacitamente aceites, pois normalmente é mais fácil assim, do que fazermos um pequeno exercício para por em causa ideias destas. E, sinceramente, sempre observei mudanças positivas em muitas pessoas. Também me pareceu verificar que a aceitação deste princípio, sem nos questionarmos, conduz a aceitemos piorar, como um processo natural. Ou, ainda mais complicado, confuso, a ficarmos sem perceber o que um, ou vários,  acontecimento nos fez, primeiro passo para um processo de incerteza e diminuição de capacidade de discernimento, prévio a um processo de decisão.


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