A luz naquele campo

Assim que a luz baixava o necessário, pairava um cálida atmosfera, pela papoilas, afagando-as. Não se podiam destrinçar diferentes nuances entre elas, só elas talvez o conseguissem. Mas imaginei-me sobre esse campo, tão comum, as delicadas manchas vermelhas que pintavam os campos como pontos num verde intenso, àquela luz especial de fim de tarde.





Não me sabia ali, não entendia porque ali estava. Mas já que estava, decidi …pairar. Pairar era a forma que encontrava de disfarçar uns pensamentos abstractos com que  me comprazia entreter os dias, por esses dias. Porque eram tempo difíceis, ainda nem sabendo o quanto poderiam piorar. Penetrei-me corporeamente por esse campo, e fechando os olhos para melhor sentir o afago desse calor de fim de tarde, já fresco, mas ainda um abraço da natureza que me rodeava, era uma canícula a esmorecer, mas um beijo do dia, de despedida para a noite que entrava.

Abri os olhos, talvez por um impulso que ainda hoje não tenho forma de entender, qual chamada secreta de algo muito superior a mim, e sobressaltei-me com a tua imagem, ali, qual papoila, mas bem distinta das demais.

Emanavas uma luz intensa, uma cor feita para ti, e olhavas-me. 
Tive um outro sobressalto que me fez vacilar, os meus olhos não te conseguiam deixar, mas estava confuso. Voltei a concentrar-me e parecias sorrir-me, um sorriso maior do que o sol em contraluz e exactamente por detrás de ti?

E pisquei os olhos, num ofuscar doce, cerrei-os…e ouvi.

Isto...



Abri-os de novo e ali estavas, exactamente a sorrir. Que brilho! Que doce brilho, num lapso, divertido, noutro, num beijo, com os olhos em sintonia. Em sinfonia.

E a tua cor! Aproximei-me, excessivamente...mas era irresistível o impulso. O teu sorriso era magnético, era uma magia surpreendente nos meus dias, nesse fim de dia, antes da noite me levar aos sonhos.
E soube. Que nessa noite os meus sonhos mudariam e me mudariam.

A tua música falou-me. Eras diferente, de uma delicadeza especial, de um tom e …aroma. Tinhas aroma, teu. Nenhuma mais o conseguia libertar e fazê-lo chegar a mim.
Senti-me totalmente envolvido. Abraçado. Uma libertadora doçura.
Pela tua intensidade, essa luz, o teu cheiro, e a música que me falava.
Reconheci a comunicação, a nossa comunicação. Nesse brilho, sorriso, um cheiro com música. Bastaram uns poucos minutos, e já me havias mudado.
Eu pairava.. .tu tinhas-me levado a aterrar, a sentir de novo o apelo da terra pura, de onde o teu cheiro emanava.
De ti, esse sorriso lançava-me um calor envolvente que era o abraço porque sabia há muito esperar.

Mas eu sabia também, as papoilas eram efémeras. Eras efémera, para mim. Porque era eu que ali estava. E ainda sabia que aqueles eram momentos mágicos que não sabíamos regressar.

A luz por detrás de ti, a luz das luzes, mas que era por ti, inferiorizada, que era necessária às outras para que parecessem ter luz, e que tu dela não carecias, não tardaria a esmorecer, para cumprir o eterno ciclo magistral, mas imperioso e até brutal. Porque te podia levar com ele...

A natureza, de onde as leis da mesma eram feitas, dizia-me, que eras energia, e a energia, sabemos, passa de flor em flor, de campo em campo, e hoje eras papoila, linda, doce, luminosa, encandeceste para mim, amanhã serias uma outra flor, para mais alguém, não sabia, para quem soubesse o teu campo, outro, e por ele fosse pairar, nessa mesma hora mágica da luz intensa e que afaga, do fim de tarde, essa a luz mais bela, um intenso amarelo laranja, que te dava formas e cor de deusa. Essa a hora a que os momentos mágicos acrescentavam uma música encantadora.
Enquanto papoila, tinhas a delicadeza especial que encantava. Numa flor diversa, mas sempre flor, outro encanto terias tu. 
Mas mágica eras tu. Eras…sei que um dia as papoilas voltam, mas já não sei dizer se estarás lá, onde quero esperar-te a essa mesma hora, e de olhos fechados com o som dos deuses, quero abri-los no exacto momento, e deixar-me encantar.
De novo.
Mas…não sei, se estaremos lá.

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