Complicamos

Porque não somos simples?
Complicamos tanto, o que podia ser tão simples, leve e até doce.

Esteves Cardoso tem escrito uns textos fantásticos, sobre amizade e amor. Sobre o amor, não me lembro de ter lido algo mais belo, mais inteligente. Mas pessoas...nós complicamos tanta coisa mais. Vou provocar, é uma tentação. Quando o Homem "inventou" a Religião, estava já a meter-se em complicações, das quais nunca mais saiu. Se calhar com o amor ainda foi pior. A amizade, porém, parece tornar-se mais leve para todos nós. Mas se falarmos da que é desinteressada, que nos exige um cuidado contínuo, as complicações evitam-se se todos os interviestes tiverem uma atitude idêntica. E depende muito, umas e outras, relações amorosos ou amistosas, graduações de amor, no seu limite significativo, da fase da vida e de circunstância, exógenas, independentes da relação e sem o nosso controlo.

E as relações familiares? Outro género de amor. Mais tensão, mais risco. Mas passa-se um pouco o mesmo que com as outras, parece-me. 

Inventamos problemas, não deixamos situações correrem. Queremos intervir, ou contrariamente, abstemos-nos de o fazer, sendo uma e outra atitude, um risco, provavelmente. São complicações desnecessárias? Ou são fases necessárias que temos de passar, sem as quais as nossas certezas se esboroam, se adiam? E depois isto: a procura de certezas, respostas, razões e causas. Complicómetro humano.

Guilherme de Occam é tido como o autor da frase: "Se em tudo o mais forem idênticas as várias explicações de um fenómeno, a mais simples é a melhor". A "navalha de Occam" (Occam's Razor), ou o principio da parcimónia ("among competing hypotheses, the one with the fewest assumptions should be selected. Other, more complicated solutions may ultimately prove correct, but—in the absence of certainty—the fewer assumptions that are made, the better", uma interpretação...slightly different, por causa de "in the absence of certainty"). É um princípio de raciocínio, uma estratégia mental. Mas nada inocente ou desprovida de fundamento. Este princípio ainda hoje é seguido no raciocínio e procedimento científico, por exemplo. E os nossos cérebros, que têm cada um milhões de anos de acumulação de herança de "memes" culturais, de "caminhos" de pensamento, seguem um pouco, ou muito esta forma de procura de soluções, sem que demos conta. Mas "pelo meio", quando, principalmente reina incerteza, ou quando estamos dominados por emoções que não controlamos (vide acima os vários tipos de relações onde os sentimentos tocam), complicamos. Talvez. Há quem se considere muito racional. E não é possível uma avaliação dessa racionalidade, versus emocionalidade.

Complicamos hoje neste nosso mundo ocidental, em soluções sociais, políticas e todas as outras que já sabemos e me escuso de mencionar. A simplificação não é simples. Um texto, uma frase, uma pintura, simples, também se conseguem, e ...complicamos (falo por mim...).

Algumas vezes, talvez compliquemos por desconfiar da solução mais simples, como sendo a melhor. Fácil demais. Procuramos o desafio. A dificuldade. Mas não foi provavelmente por  acaso que Occam formulou a frase: na ausência de certeza, ele acha que a solução mais simples deve ser a escolhida. Ah! E qual é ela? Se pensarmos nas nossas decisões, ou no processo anterior a elas, temos a certeza de ter encontrado a solução mais simples? E até de termos certezas? E lá está, mais um "loop" de raciocínio. 

Simples mesmo era ser mosca, acho que é melhor do que girafa, que se não encontrar árvores altas, ainda faz um entorse danado, e depois não há massagista à altura. Á altura, precisamente. Uma mosca, nem se dá à maçada de contar os dias que lhe restam. São "demasiado" poucos (deram conta deste loop de complicação? Raio de coisa...).

Temos na vida oportunidades, perdemo-las. Temos pessoas, perdemo-las. Temos dinheiro ...(tiram-no...). Por complicação, por má decisão, por erro de análise, por falta de elementos de comparação, por falha temporária de sabedoria. Mas as moscas não têm esses problemas. Mosca ou outro insecto qualquer. Ou um microorganismo. 

Esta coisa de ser humano é uma grande complicação!



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