Raciocínio redutivo e sistemas emergentes: tentar compreender o mundo, e quem nele vive

Ao longo da História, temos tentado compreender o mundo através do raciocínio Redutivo. O tipo de raciocínio próprio da ciência, nos seus primórdios, pelo menos. Dissecando um todo nas suas partes, tentando entender o todo, pela compreensão das partes. Mas é um raciocínio limitado, redutor em si mesmo. Traz consigo uma dificuldade, de entender o complexo, o ser humano, uma realidade dinâmica, uma sociedade.

Os sistemas emergentes surgem quando elementos diferentes se juntam e formam alguma coisa maior do que a soma das partes. As partes e peças de um sistema, ao interagirem produzem, emerge, algo inteiramente novo. Um exemplo simples: os sons e as sílabas juntam-se e produzem algo, uma história, emocionalmente poderosa, irredutível às suas componentes.



O cérebro é um sistema emergente. Um neurónio por si só não nos dá a imagem de um objecto, mas a acção de milhões deles, que criam uma coisa, nova e impossível de se prever pela soma das acções de cada um deles.

Um carácter humano é um sistema emergente complexo. Da análise do que leva alguém a ser de uma determinada forma, a agir de certa maneira, não se adivinha o que será o resultado. Dizemos...ser imprevisível. E é-o, de facto. Somos. Nem sempre, nem em tudo. Mas todos temos as maiores surpresas sobre os outros, mesmo tendo assumida convicção de conhecermos alguém.

Para percebermos melhor. Numa família os filhos, em princípio, terão sido educados da mesma forma, com os mesmos valores, ou ausência deles. E todos temos provas do resultado contraditório desta assumpção. Porque estamos a analisar sistemas emergentes, e não um apenas, mas diversos em interacção. Vem daí muita imprevisibilidade. Muitos factores transformam e modelam o carácter e a personalidade de cada filho de uma família. O proteccionismo excessivo de um deles, face aos outros. Por razões diversas, que não são o que contam, mas o facto, em si, de as haver e assim se dar um empurrão num sentido distinto, a um filho, divergente do dos outros. Por um deles sentir uma necessidade acrescida de reconhecimento, por julgar ter sentido uma preferência por outro irmão, ainda que nem real, ou mesmo o sendo, mas que determinará a tal necessidade e um desajustamento no desenvolvimento, que pode tornar-se patológico. Por na escola se passar um pouco o mesmo. Por se depositar num filho uma responsabilidade que nos irmãos não se fez recair. Por ter surgido a dada altura um trauma nunca resolvido, de uma discussão fracturante entre os pais, um acidente marcante, com a família ou com o próprio, ou com um irmão. Uma vivência sem limites à intimidade dos filhos e pais. Uma fase de dificuldades muito relevantes da vida da família, sentida mais por um do que por outros irmãos, por estarem em fases distintas de desenvolvimento. Por haver distinta transmissão de cultura familiar, desigual entre irmãos.

Todas estas situações alternativas, podem determinar distintos carácteres, tornando um ou mais filhos distintos dos outros, para sempre. Podem determinar comportamentos anormalmente sensíveis, ou patológicos. A análise, por se tratarem de sistemas emergentes, é muito complexa ou impossível e, normalmente, nunca se assumem estas diferenças educativas e orientativas, pela negativa, com menos atenção e critério, ou pela positiva, com excesso de zelo, desproporcional entre irmãos, criados no mesmo ambiente.

A tarefa de um psicólogo, numa descoberta de comportamentos anormais, ou desviantes, é complexa, ou pode tornar-se impossível.

O nosso mundo está pleno de comportamentos impossíveis de se compreender. Surpreendentes e preocupantes, que podem atingir terceiras pessoas. A qualidade e intensidade da manipulação, de quem é proprietário de um comportamento para ou assumidamente patológico, depende também de intenções, de tendências, de propensões. Do que se valoriza numa vida. Se o valor do dinheiro ganha a tudo o mais, o refinamento do comportamento desviante, pode ser complexo, rebuscado, inteligente e maquiavélico. Pessoas nascem, desenvolvem-se, com anomalias relevantes no carácter e nunca lhes é diagnosticado um comportamento desta natureza. Vão-se, deixando um mar de vítimas, saindo sempre por cima, por dificuldade humana de compreensão destes sistemas que nos criam e nos fazem o que somos.

No sentido positivo, o processo é o mesmo, mas sem, provavelmente, traumas marcantes num dado momento do desenvolvimento.




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