O Abismo

A Austeridade. Querem fazer regressar aquilo que ainda não nos abandonou. Nem no primeiro momento a Austeridade resolveu alguma coisa. Admito que exista algo de corporativo nesta coisa de se implementarem medidas, a nível político, mas económicas, com o intuito de tentar resolver um problema, gerando outro, ou outros. A Austeridade gerou, e sempre assim foi, pobreza, e incipiente crescimento económico. Mas ainda, desigualdade nos rendimentos, desigualdade social, esmagamento de estratos sociais até ao seu desaparecimento. E, não sendo ainda tudo o que a Austeridade faz, cria mais riqueza no estrato superior de uma sociedade. Tudo isto é bem conhecido dos economistas, que, no entanto, insistem em medidas de carácter austero, em economias em default, em crise profunda, em situação de incumprimento dos compromissos da sua dívida. Mas serve uma corporação, que, assim, se perpetua a corrigir, emendar, costurar remendos, num trapo que criou, com o empobrecimento generalizado, mas o enriquecimento selectivo também, e, principalmente, para o que o futuro interessa, na ausência de crescimento, porque insistem as entidades nestes programas? Porque é tão importante o défice de um Estado? Porque, já sabemos, tem que ver com a capacidade de ir conseguindo gerar alguns recursos, que lhe permitam ir cumprindo com o serviço da sua divida soberana, sem com isso gerar mais dívida. Isto, de forma simplista, claro. E, pergunto, o crescimento económico não interessa? Como conseguir limpar contas num Estado, e gerar riqueza que permita dar folga para pagar dívida, mesmo que tenha de contrair ainda um pouco mais, e, bem importante, conseguir aliviar uma economia em termos fiscais, de modo a que o crescimento possa surgir, sem a asfixia do investimento público? Como? Com crescimento nas exportações? E com uma austeridade a níveis insuportáveis consegue-se esse estímulo? E essas exportações, num país sem recursos, não se fazem muito à custa de incorporação de bens importados? Quanto crescemos nós, ultimamente, em Portugal? E quanto precisamos de crescer? Pois...as contas estão feitas e tudo o que for menos de 3% ao ano...nada. E, para se conseguir acreditar no futuro com mais folga financeira, mais competitividade..uns 6%. Quem acredita num crescimento económico de 3%, e quando o teremos? O Estado devia reduzir, por outro lado, o nível de despesa para menos de setenta mil milhões e ainda anda perto dos oitenta mil milhões. Mas mesmo os setenta mil...no pressuposto dos 3% de crescimento.

Se o PSD, confesso inimigo do grande investimento publico, nesta fase, e de um crescimento económico visível (entre 1 e 3%), e de um défice abaixo dos 3%, nada disto conseguiu. E se, o pouco que conseguiu, foi gerando mais desigualdade. E se  o PS pretende reanimar uma economia anémica, por via do que antes fez de geração de dívida (pelo investimento público e pelo crescimento da despesa do Estado, pelo clientelismo conhecido- de que o PSD também tem dado provas bastas). E se nenhum dos dois Partidos soube, ou quis, procurar outros caminhos, que não a austeridade versus despesismo e investimento público, para substituir o privado que não pode existir num contexto onde só um louco investiria...como pretendem os políticos em que o povo diz querer votar, resolver a equação? À maneira grega?

A maneira grega pode resolver alguns problemas no imediato, de facto. Não pagar, ou adiar o pagamento, ou renegociar juros, paralelamente a gerar mais investimento público, distribuir recursos, evitando o crescente empobrecimento generalizado, pode parecer uma panaceia...mas num segundo momento, o problema agudizou-se. Nem duvidem.

Uma sociedade moderna, num contexto em que a oriente se produz e a ocidente se consome, e em que a oriente se concentra essa capacidade produtiva, com baixos custos, e baixos rendimentos das pessoas, e um nível de desigualdade na distribuição dos mesmos superior a qualquer país ocidental...só pode conseguir crescer se conseguir esbater a desigualdade, porque entretanto conseguiu sobreviver aliviando a carga fiscal, conseguiu um rigor nunca visto nas suas contas públicas, sem gerar mais dívida ou sem descontrolar o investimento público, e foi, a ritmo acelerado, preparando melhor a sociedade, em termos educativos e de formação profissional, possibilitando novas criatividades, fora do alcance do Oriente. Ou...

...um dia seremos no Ocidente, o futuro Oriente do actual Oriente: salários baixos, vida degradada, fome, desemprego, anemia política e mesmo regimes ditatoriais.

Podemos nunca chegar a este extremo, mas o caminho está a fazer-se. E são os defensores da suposta justiça social do crescimento económico das sociedades de matriz europeia, civilizadas, cultas e saudáveis que nos estão a levar para esta orientalização: os Partidos conservadores e socialistas democráticos. De toda a Europa. A Alemanha não escapará. Supõe a bioquímica alemã, que se julga líder, política rigorosa e visionária, que evita esse caminho, mas esquece-se da anterior divida do seu país e de como os Aliados lhes aliviaram o caminho, e permitiram ajustar o pagamento da dívida indexando-o ao crescimento das exportações. E ainda assim têm um nível de endividamento que, se um dia os agiotas se aborrecem e lhes cobram os 5% ou 9% que se cobra a países em default...

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